Beyoncé compartilha dores legítimas e distribui pontapés em questões machistas e racistas em disco

A persona pública de Beyoncé não esmorece e ainda lida com temas que lhe são caros, escarrados em universo pop que só agora parece deixar de ser apático e apolítico

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Por Pedro Antunes
Atualização:

Foram precisos seis discos – só na carreira solo, afinal foram quatro álbuns de estúdio com o trio Destiny’s Child – para sentirmos Beyoncé. Enfim, ela traz os fãs para perto. Para a vida dela, suas questões e dúvidas, sejam sociais, políticas e amorosas. Beyoncé, maior nome do pop da atualidade, viu sua carreira crescer exponencialmente, hit seguido de hit com velocidade invejável.

Posicionou-se em questões importantes da luta feminista, colocou o dedo na ferida do racismo nos Estados Unidos, em canções ou em ações fora dos palcos e estúdios. Poderosa, afinal. É esse o único adjetivo que se pode pensar depois de ouvir o nome de Beyoncé. A cantora vestiu essa armadura e partiu para a briga que merecia ser brigada ao longo dos anos. 

Beyoncé Foto: Robin Harper|AP

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Em Lemonade, sexto disco, lançado e surpresa no último fim de semana com exclusividade no serviço de música por streaming Tidal, ela está mais forte do que nunca. Sua persona pública não esmorece e ainda lida com temas que lhe são caros, escarrados em universo pop que só agora parece deixar de ser apático e apolítico – vide o buz formado em torno de Pimp My Butterfly, do rapper Kendrick Lamar, que, aliás, foi chamado para participar com versos raivosos na faixa Freedom, a décima do álbum. 

Ela assume para si a função de dar socos e pontapés em toda a apropriação da cultura negra nos Estados Unidos, questiona o “embranquecimento cultural” sofrido por ela mesma, em diferentes momentos da carreira. O título do disco, “limonada”, em português, é um gancho de direita diretamente no queixo do passado e presente racista. “Meus ancestrais escravizados tomavam limonada, achando que isso iria embranquecê-los”, ela explicou. “A mídia me deu limonada, mas não adiantou.” Escancarar isso na ótima Formation, que encerra o disco, na apresentação do Super Bowl, final do campeonato de futebol americano e evento mais assistido do planeta, foi um cruzado de esquerda. Nocaute por um futuro melhor. 

É curioso, no entanto, como agora Beyoncé também é capaz de se despir. Tirar aquela couraça e, por vezes, a impessoalidade das canções dançantes. Mostra ser de carne e osso – em um processo difícil para uma figura tão emblemática e pública. Mostra o coração. E ele está partido. Ou melhor, partindo. Confuso. Fluem de Lemonade raiva, compaixão, tristeza, alegria que só a filha que tem com Jay-Z, Blue Ivy, é capaz de promover. 

E entrega, com isso, o conjunto de canções mais corajoso que ela já produziu. Basta ouvir Sandcastles: Beyoncé canta de sonhos perdidos e desafina de forma genuinamente bonita (acredite), como nunca na carreira. Como se a voz viesse de um lugar desconhecido. Esse espaço inacessível até então, no qual a figura pública e privada da artista se fundem em uma só. 

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